domingo, 29 de agosto de 2010

Resenha de DIBAXU por Alexandre Bonafim




Com grata alegria, celebramos mais uma bela versão, em português, da poesia do argentino Juan Gelman. Dibaixu (Debaixo) é livro raro para raros. Escrito originalmente em sefardita, língua falada pelos judeus da Espanha, o livro nos traz grandes momentos de plenitude amorosa e lírica.

Devemos a ampla divulgação da obra de Gelman no Brasil às belas intervenções do poeta Andityas Soares de Moura. Com sensibilidade, o escritor de Minas tem nos ofertado, em traduções bem elaboradas, a poesia de nosso vizinho portenho.

Em diapasão harmônico, Adityas soube captar toda a sensibilidade de Gelman, suas associações lexicais raras, a fulguração de sua linguagem viva, pulsante de metáforas inventivas, de imagens oníricas de grande fascínio, numa recriação verdadeiramente poética da escrita do autor de Dibaixu. Nós brasileiros, agora, podemos deleitar, com felicidade, em nossa língua, a mesma verve lucífera desse grande poeta da América Latina.

Uma solaridade vivaz, plena, incendeia as imagens de Gelman, numa verdadeira celebração epifânica do presente, momento de plenitude, de intensidade existencial, no qual o homem contempla sua fecundidade:



a manhã faz os pássaros brilharem/

está aberta/ tem frescura/

a beberemos junto

com o espanto do pensar/

(p.25)



Irradia dessa poesia, a maestria inventiva dos construtores de imagens oníricas, de imagens de grande efeito lírico. Como na escrita dos brasileiros Francisco de Carvalho, Oscar Bertholdo e Jorge de Lima, na poesia de Gelman contemplamos a encantação mágica das palavras, no que elas têm de sinestesia e fascinação visual. Um lirismo puro, com gosto inaugural, irrepetível, incandesce a escrita do argentino, possibilitando-nos sempre uma iluminação, uma vertigem advinda dos nascimentos, das fontes, das germinações, dos descobrimentos inolvidáveis:



agacha-te/ se queres/ olha/

se queres/ o pássaro

que voa em minha voz/

tão menino/



pelo pássaro passa um caminho

que vai para teus olhos/

espera tua mão/

há erva onde não estás/



derme tudo/

o pássaro/ a voz/

o caminho/ a erva

que amanhã veio/

(p. 27)



Os cortes empreendidos pelo poeta, registrados pelas barras, iconicamente reproduzem nossa ofegante respiração, entrecortada pelas súbitas aparições da beleza. A cada corte, um relâmpago de sensações, uma trovoada de sentimentos febris, estertorantes, profusão de procelas vivas, de surpresas incineradas pela plenitude de um fogo fulminante: poesia experimentada no mais profundo âmago de nossa humanidade:



o que falas

deixa cair

um pássaro

do qual sou ninho/



o pássaro cala

dentro de mim/



o que faz de mim/

(p.47)



Uma nova metáfora, inaugural, inaugura também um país, uma nação inteira. Alegria saber que tal como os argentinos, nós brasileiros, pelas mãos de Andityas, podemos sorver essas imagens míticas, fuzilantes:



o desejo é um animal

todo vestido de fogo/

tem patas tão longas

que chegam ao olvido/



agora penso

que passarinho em tua voz

arrasta

a casa do outono/

(p.72)



Gelman e Andityas, parceria em comunhão no eterno. Argentinos e Brasileiros, irmandade viva, celebrante, nessa bela tradução de Dibixu.



GELMAN, Juan. dibaixu (debaixo). Tradução de Andityas Soares de Moura. [S. Cidade]: Edium, 2007.

Um comentário:

  1. Olá , sou leitora do blog..

    e neste momento estou ajudando a uns amigos na divulgação de um evento artístico que ira acontecer no rio de janeiro..

    Gostaria de poder te passar um release do projeto...Para que você possa nos ajudar como puder.

    Manda uma msg, pra

    crica100@hotmail.com que em seguida lhe envio tudo...Agradeço.

    Cristina de Moraes

    ResponderExcluir